segunda-feira, 8 de setembro de 2008

Daniel Pereira de Mattos

O Caminho de Daniel

Aqueles eram dias muito especiais na vida de Daniel, ele estava decidido, iria mesmo construir uma igrejinha para São Francisco e iniciar a sua missão de ajuda aos necessitados. Daniel vinha por aquele caminho que tantas vezes percorrera andando calmamente e perdido em pensamentos. Os passos eram firmes, mas a sua cabeça estava entre tempo e lugares que nunca poderia esquecer. A cada passo Daniel Pereira de Mattos, um negro maranhense que há anos vivia no Acre e fizera daqui a sua terra, “com prazer e amor como se fosse a terra que o viu nascer”, o Maranhão. Lembrava do que tinha sido a sua vida até aqueles dias. Dias e acontecimentos que ficariam marcados para sempre tanto para ele como para aqueles que depois dele viriam e haveriam de lembrar. O ano era 1945, ele vinha da vila Ivonete, onde havia se despedido do Amigo Irineu Serra, conterrâneo que muito lhe ensinou e incentivou na escolha da sua Missão. Pegou seus pertences e cinco litros da “Santa luz”, o Daime, e veio para o lugar onde iniciaria o seu trabalho e cumpriria a sua missão...”Deste mundo à eternidade”.

Caminhando por aquele estreito caminho freqüentado somente por caçadores e seringueiros, lembrava dos sonhos que tinha na Infância em Vargem Grande, onde nasceu no Maranhão em 13 de julho de 1888, dois meses depois de abolida a escravidão, próximo a antigas feitorias e quilombos como, São Roque e Rampa . Em seus sonhos de criança a Virgem Maria e São Francisco lhe entregavam um livro azul, que agora Daniel entendia e estava preparado para escrever, a missão que já lhe era reservada por Deus. Enquanto caminhava pensava em tudo, em cada passo que deu durante todos esses anos. Lembrava de quando veio ao Acre pela primeira vez, em 1905, como marinheiro em uma fragata da marinha de guerra brasileira para trazer as tropas do exercito, que vinham ajudar na resolução da questão do Acre com a Bolívia e com o Peru, pensou em ficar. Dois anos depois, pediu baixa da marinha em Belém do Para e em abril de 1907 chegou definitivamente ao Acre onde trabalhou nos seringais com Plácido de Castro, Cel. José Alexandrino, Daniel Ferreira, José Ferreira e José Galdino. Entre a primeira vez que veio ao Acre e quando veio definitivamente ele ainda fez uma viagem muito importante para a afirmação de sua fé em Jesus Cristo, visitou o Oriente médio e esteve em Jerusalém, a histórica cidade santa do cristianismo, e de outras religiões.

Foram anos duros e de muito trabalho, pois um novo povo estava se formando e um mundo novo sendo construído, e ele fazia parte da construção deste novo mundo.” Conheci desde as trincheiras de porto Acre, as pedras e tijolos que foram colocados nas primeiras paredes deste Castelo Místico e de grande riquezas, que é o Acre”. Teve aqui a sua mocidade registrada e selada com o selo do patriotismo, do amor a Terra. Depois dos anos trabalhando nos seringais ele finalmente veio juntar-se aos outros novos trabalhadores urbanos da Rua da África. Nos anos em que passou na marinha ele aprendeu muito, sabia ler e escrever muito bem e de seus vários ofícios como: carpinteiro, construtor naval, sapateiro, poeta, músico, artesão, cozinheiro entre outros foi em um deles que faria seu ponto na recém nascida cidade. Montou sua barbearia e começou a ganhar a vida, trabalhando na Rua na Epaminondas Jácome em 1925, depois na Rua seis de agosto, e finalmente na Rua General Rondon, no bairro do Papôco., foi no Papôco, também que viveu várias noitadas de boemia acompanhado de seu inseparável violão.

Já estava um pouco cansado de sua caminhada por aquele varadouro na floresta, parou em local que lhe agradara e havia escolhido, pois lhe fora prometido, um pequeno pedaço de terras que pertenciam a Isaura Parente e administradas por Manoel Julião. Daniel, naquele momento, também lembrou emocionado dos filhos de seu casamento com Maria do Nascimento Viegas e que não os via há anos... Onde estariam Nazaré, Creuzolina, Ormite e Manoel, onde estaria sua esposa? Não sabia que sua família havia voltado para o Maranhão, pois suas noitadas de boemia, o fez se afastar de casa e os abandonar. Numa manhã, à margem do rio Acre, abanou um lenço branco para um navio que saía e se despediu, sem saber que sua esposa e de seus filhos estavam naquele navio. Foi duro golpe, a vergonha e a saudade o fizeram cair cada vez mais na bebida. Aquele era o Ano de 1937 e exatamente naquele ano o amigo Irineu Serra, vendo a situação que passava Daniel, mandou busca-lo em uma carroça de boi para curá-lo e livra-lo do Alcoolismo, usando o Daime. As lembranças fizeram Daniel verter algumas lágrimas, mas tudo seria diferente, pois ele também se dedicaria a curar e a livrar outros dos vícios. O tempo para Daniel agora era de esperanças. Daniel desceu um pouco a estradinha e foi até o pequeno riacho que ficava abaixo do lugar que escolhera para construir a igrejinha e iniciar a sua missão, no Igarapé Fundo lavou o rosto das lágrimas e bebeu um pouco de água para refrescar-se do calor.

Durante os anos em que ficou com Mestre Irineu na vila Ivonete, se dedicando ao seu trabalho de cura com o Daime, Daniel aprendeu muito, sobre o preparo e uso da Ayahuasca, se dedicando a fortalecer o seu espírito e entender cada vez mais a sua missão. Teria que viver como São Francisco, pobre e humilde, comendo de esmolas, fazendo a caridade, aconselhando e preparando outros irmãos para continuar o seu trabalho depois que ele partisse. E assim, a partir de 1945, ele e vários outros irmãos iniciaram uma missão que até hoje é mantida por uma comunidade que prima por levar adiante um trabalho que cumpre um importante papel na assistência espiritual de muitos necessitados. Nos primeiros anos deste trabalho, Mestre Daniel ficou conhecido por sua humildade, por ser conselheiro e um verdadeiro instrutor espiritual. Durante os 12 anos que trabalhou ali, até desencarnar, o acompanharam os irmãos de fé José Joaquim da Silva, Anelino Cavalcante da Silva, Agostinho Henrique de Paiva, Elias Nassif Correa Kemel, Avelino Simão, Antônio Geraldo da Silva e Manuel Hipólito de Araújo, já falecidos, encontram-se vivos ainda hoje o Sr. Antonio Lopes da Silva, Sr. João de Deus, Sr. Gregório Nobre de Oliveira, Dona Francisca Josino de Melo ( Dona Chiquita), Dona Francisca Campos do Nascimento(dona Chica Gabriel) e seu esposo sr. Francisco Gabriel entre tantos outros que passaram por essa missão. Mestre Daniel construiu os pilares da doutrina, o Hinário, as obras de caridade com atendimento a necessitados, curou e preparou seis irmãos para o trabalho de atendimento, Chica Gabriel, Maria Baiana, Inês Maia Porto, Francisca Maia, Maria Ferrugem e Dona Chiquita, médiuns que, preparados por ele, prestariam assistência com os guias curadores.

As bases de influencias doutrinárias de Mestre Daniel, vêm do cristianismo a partir do catolicismo popular muito comum no nordeste brasileiro e especialmente no Maranhão, do xamanismo e outros cultos indígenas com os quais teve contato, dos cultos afro-brasileiros como a umbanda e o candomblé, além de forte influencia do espiritismo Kardecista e de tudo que aprendeu com Mestre Irineu no uso ritual da Ayahuasca. É também muito presente na doutrina de Mestre Daniel, a simbologia do Circulo Esotérico da Comunhão do Pensamento. Foram deixadas por Mestre Daniel as devoções à Sagrada Família, primeiro Jesus Cristo, Virgem Maria, São Francisco que é o mediador dos trabalhos, o advogado e o professor, São José e São Sebastião. Dessas devoções ele deixou as romarias a serem realizadas e cumpridas nos meses de Janeiro (São Sebastião), Maio (Nossa Senhora Rainha da Paz) e de 1º de Setembro a 4 de Outubro( São Francisco). Do sincretismo vêm Os pretos velhos, os caboclos, as entidades do mar como sereia e ninfas do mar, botos e Iemanjá, os Erês (crianças) e entidades do candomblé como Oxalá, Xangô, Ogum e Oxossi, além de uma linha de entidades do oriente e encantados. Orientou, também o Sr. Antônio Geraldo, que o sucedeu após a passagem, no fardamento e nos bailados com as entidades no parque.

O Centro Espírita e Culto de Oração “Casa de Jesus–Fonte de Luz” foi constituído oficialmente em 20 de janeiro de 1959, quatro meses após mestre Daniel ter desencarnado no dia 8 de setembro de 1958. Durante anos que sucedem a sua passagem foram presidentes o Sr. Antônio Geraldo da Silva, Manuel Hipólito de Araújo, conhecido e chamado carinhosamente pela irmandade como o nosso “ velho pastor “. Hoje é dirigente do centro, o filho de Padrinho Manuel, Francisco Hipólito de Araújo Neto, que conduz os trabalhos junto com uma irmandade de aproximadamente 300 adeptos, que reúnem-se periodicamente aos sábados para os trabalhos de obras de caridade, às quartas-feiras para uma sessão de preparação e nas datas santificadas, quando se fazem as comemorações, tomando a santa bebida, cultuando e louvando com os hinos e salmos, primando pela pureza e originalidade do que foi deixado por Mestre Daniel Pereira de Mattos, um negro maranhense que, mesmo com todo o sofrimento, deixou para a humanidade um trabalho de elevação espiritual e de pratica da caridade e amor ao próximo.

Já estava anoitecendo e Daniel ainda concentrado em seus pensamentos, relembrava sua vida, pensando na sua missão, nos momentos bons e tristes e nos momentos que se envergonhava. Seu espírito estava feliz, pois sabia que Deus lhe havia destinado um caminho a percorrer que não seria fácil, não terminaria com ele, pois é um caminho que se segue “deste mundo à eternidade”, tinha já a companhia de vários irmãos e sabia que outros se juntariam a eles. Lágrimas escorriam pelo seu rosto negro, sofrido, mas uma luz de conforto invadia o seu coração. Mais uma vez pegou o seu violino, concentrou-se e recebeu ali, naquela capelinha simples de taipa... mais um dos seus hinos...

“... Esta casa é de Jesus e da Virgem mãe da conceição...”

Silvio Francisco Lima Margarido.

Colaboraram: Francisco Hipólito de Araújo Neto, Rosana Martins de Oliveira, Marcos Vinicius Simplício das Neves e Antônio Alves Leitão Neto

Rio Branco, 19 de abril de 2005

4 comentários:

Raimundo Hipólito de Araújo disse...

Caro Francisco Hipolito de Araújo Neto, voce tem o mesmo nome do meu avô, pois sou filho do Sr. Abdon Hipolito de Araujo, e, ele falava que tinha vários irmãos em Rio Branco-AC, talvez voce seja filho de um dos irmãos gemeos dele (MANOEL). Um abraço do seu primo Raimundo Hipolito de Araújo.
entre em contato comigo pelo E-mail sgthipolito_eb@hotmail.com

João di Trindade disse...

Belíssimo Documentário e Testemunho.

Quem é da Casa bem sente esta declaração: "Deste Mundo à Eternidade".

Na leitura do texto sentimentos sublimes de santidade, de compaixão, de verdadeiro amor e sublimidade.

Grato, de coração, João.

Meu site, à disposição, é: http://joaotrindade.multiply.com

Unknown disse...

Caminho e luz, No dia 13 de fevereiro de 1991, veio a Ji-Paraná RO, o nosso Mestre - Manuel Hipólito de Araújo, então Presidente do C.E.C.O Casa de Jesus – Fonte de Luz- Rio Branco AC., hoje, nosso querido Velho Pastor Frei Manuel com seu filho Francisco Hipólito de Araújo Neto que atualmente ocupa lugar de seu Pai na Presidência daquele Centro; Veio para fundar os trabalhos do Centro Espírita e Culto de Oração Casa de Jesus Fonte de Luz nesta cidade , confirmando assim seu desejo de estender os benfazejos desta linda missão a todos quanto pudesse. A missão de levar a frente ficou a cargo do irmão fardado Edilsom Fernandes da Silva, que ainda hoje é o nosso presidente.
Firmada sobre os alicerces da Fé, do Amor e da Caridade, faz 20 anos que esta casinha de Oração oferece acolhimento e a oportunidade de evolução espiritual aqueles que aqui chegam.
Agradecemos a cada irmão que ao longo deste período tem ajudado a escrever nossa história através do puro amor a Deus e da sincera amizade!
chinoco@gmail.com

edison romano disse...

Sou da União do Vegetal e tenho grande admiração pelo trabalho mediúnico da barquinha,gostaria de saber mais a respeito do trabalho das entidades.
Edison Romano