quarta-feira, 15 de outubro de 2008

Registro Musical

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A partir de hoje iniciarei a publicação de textos de uma pesquisa sobre a Música Acreana. Esta pesquisa foi publicada com o nome de Registro Musical no ano de 1995 e foi realizada por Marcos Vinicius Neves, Jorge Nazaré, Danilo de S"Acre e Silvio Margarido para a FGB com o apoio de Ministério da Cultura.

Aqui não seguirei a mesma organizaçõa da publicação e eventualmente tãmbém entrarão as músicas do Registro.

 

Boa viagem Musical...

 

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Introdução

O Brasil é reconhecido no mundo todo como o pais da mistura, o caldeirão das raças e a geléia geral do planeta. Nossa formação como nacionalidade foi realizada sob o signo da miscigenação, da mescla e do múltiplo.

Em nenhuma atividade social isto é mais evidente do que na musica. O pais exporta musicas, melodias e ritmos de qualidade igual ou superior a de qualquer outro pais do mundo do consumo e da mídia globalizada. Ou seja, em termos musicais, pelo menos nesses termos, somos primeiro mundo. Com a vantagem de termos esse papel em uma área, a musica, que trata da linguagem universal dos povos. Afinal de contas, não há quem não compreenda a “cadência bonita do samba”, quem não se encante diante do “balançado que é mais que um poema”, que não venha “descendo a ladeira” sem um requebro nas ancas.

Doce ironia, a musica, que é o que existe de mais revolucionário na humanidade - ao desconhecer fronteiras, limites ou diferenças - desenvolveu-se tanto justamente em um pais onde nunca houveram profundas ou radicais revoluções, em um Brasil construído por revoltas localizadas.

E o Acre ? Este pedaço preterido do mundo. Espaço perdido e achado entre as voltas do rio Purus, do Juruá, do Aquiri, do Tarauacá, do Iaco, do Xapuri. Rios e lugares estranhos ao resto do mundo, ainda que tão familiares aos acreanos.

Aqui nesse Acre, a musica também está presente nos botecos, nas praças, nos quintais e esquinas, nas mesas de bar, nas festas in society, nos comícios, nos seringais e interiores com sons e ritmos que transborda a floresta circundante. Uma musica variada, diversa, multiforme, tal e qual o restante do pais.

Mas, para além do que existe de universal ou nacional, qual é a musica do Acre ? Será, por acaso, uma musica inspirada pelo canto dos pássaros na beira dos igarapés ? Terá se originado no canto ritual das tribos arredias e esquecidas em meio à mata protetora ? Será, então, o lamento seringueiro das tardes de solidão ou o forró festivo dos fins de semana de reunião ? Serão as velhas canções que durante décadas fizeram o repertório das retretas cantadas ao entardecer, ou das alvoradas celebradas ao nascer do dia ? De onde veio essa musica que nos acostumamos a ouvir e a entender como nossa ? Terá vindo das exibições das bandas oficiais, ou das cerimoniosas inaugurações e esfuziantes acontecimentos políticos ? Ou será que nasceu dessa musica que toca incessantemente nas rádios, desde os tempos da “Voz das Selvas” nos forçando a digerir até o que nos é amargo ou sem sabor ? O que podemos chamar de musica acreana ? Todas essas coisas ? Nenhuma delas ? Eis o que nos cabia tentar responder durante a realização do Projeto Registro Musical.

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Viagem musical.

Buscar a origem da musica no Acre é uma tarefa de realização improvável. A origem da musica é o homem. Onde existem homens existe também alguma forma de musica. Os homens as carregam em suas mochilas, sob a forma de instrumentos, ou em seus corações em forma de saudades, recordações ou esperanças. A musicalidade é o instrumento privilegiado das relações pessoais e sociais. É o motivo, a distração e o assunto das reuniões, de forma tão palpável que hoje é industria que movimenta bilhões de dólares. Portanto, não me perguntem a origem da musica no Acre. Sua origem está nos primeiros nativos que caminharam por essas matas, nos primeiros aventureiros que buscavam sua fortuna, nos seringueiros que buscavam seus sonhos, nos guerreiros que buscavam seu destino. Essa musica trazida nos jamaxis, mochilas e malas ficou registrada de alguma forma no tecido dessa sociedade e pode ser presenciada por quaisquer seres que se permitam entrar nos sons e musicas que nos cercam, talvez estes cd’s possam nos fazer perceber o que está na entre-casca do mundo, vamos ouvi-lo

O movimento musical não pode ser dissociado do movimento cultural. A discussão entre quem determina o que e que acaba sempre levando a cultura a ser considerada como determinada por agentes econômicos e/ou políticos, nem será aqui considerada.

A musica extrapola os limites sociais em sua possibilidade sempre latente de expressar a vontade do povo. Não adiantam as discussões intelectuais, a criticas bem situadas, nem a vontade de uma elite dirigente. as vezes até mesmo a poderosa vontade das super-mega-empresas-industrias de entretenimento e comunicação conseguem direcionar completamente as manifestações populares. 1984 ficou para trás e George Orwell falhou em suas previsões de um futuro televisivamente controlado.

O regional se sobrepõe ao massivo ao expressar seus particularismos e tradições que instrumentalizam a inovação. Como surgiu o samba ? E o forró ? E a Bossa - nova ? E o axé ? e etc. etc. etc. Milhares de ritmos que possuem a mística magia de libertarem o povo, pelo menos momentaneamente, de suas dores e amarguras.

De todas as expressões artísticas e culturais talvez seja mesmo a musica a de maior apelo e alcance popular. Pois como se compreendeu nos anos da Ditadura (sempre é bom não esquecer que ela existiu), pode-se prender os cantores, censurar os compositores, proibir a execução publica, mas não se pode eliminar a musica da vida do povo e o homem que anda pela rua sempre canta.

Deixemos o lugar comum e o proselitismo de lado o que interessa é que sem musica não se vive em lugar nenhum do planeta, sem musica não tem festa e não poderia ser diferente nesse pedaço de floresta.

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História musical acreana

Este trabalho, para ser completamente correto, deveria ter se internado nas primeiras décadas da instalação da sociedade civilizada no Acre. Talvez até mesmo antes, a partir do conhecimento etnográfico que se possui sobre as populações indígenas acreanas. Mas não possuiu nunca esse objetivo totalizante, trata-se na verdade de um song - book e não de um trabalho de pesquisa histórica para ser publicado per si. Ou seja, o que tivemos em mente durante este trabalho foi de realizar uma pesquisa que completasse a principal abordagem desse projeto: o registro das musicas possibilitando sua audição pelos que atualmente consomem e pensam cultura no Acre. Dessa maneira adequamos nosso objeto de estudo de forma a realçar a musica que foi registrada de alguma forma e permanece acessível até hoje. Essa transversalidade que vai do que foi registrado e permaneceu até o que foi incluído no projeto registro musical levou-nos a concentrar o trabalho mais enfaticamente sobre as décadas de 40 até 80.

De toda maneira era necessário pensar alguns aspectos do que já havia se passado nos meios musicais acreanos antes desse recorte cronológico como forma de não provocar uma ruptura que inviabilizasse a compreensão da produção musical em sua continuidade. Por isso o leitor - ouvinte desse song - book deve levar em consideração essa sobreposição de profundidades de análise: mais generalizante e superficial acerca do período anterior aos anos 40, dos quais existem muito poucos “registros musicais”, e mais particular e profunda em relação ao que aconteceu a partir de então.

Por isso iremos generalizar e suprir certas lacunas na história e aprofundar seu conhecimento durante as biografias, indo assim mais consistentemente na direção desejada..

Outro aspecto é a concentração nos aspectos musicais de Rio Branco, devido a dificuldade de registros musicais de outras cidades.

Quem ouve o nome deste projeto: Registro Musical, tem a exata medida de seu objetivo. Neste trabalho encontra-se registrada uma amostra da produção musical acreana das ultimas décadas. Mas para que esse registro contemporâneo fosse realizado, foi necessário antes pesquisar o que havia permanecido registrado nos diversos documentos e suportes pelos quais as coisas e loisas do passado permanecem até os dias de hoje.

Este sentido secundário do projeto, de busca do que havia permanecido preservado de algum modo no registro social do Acre, foi, em ultima instancia o verdadeiro responsável pela direção e pelo resultado do trabalho. Não bastaria querer gravar hoje aquelas musicas que sabíamos que existiram, mas das quais nada foi preservado, além de uma noticia de jornal, por exemplo. Seria preciso buscar as composições que foram preservadas em fontes próprias à musica, como pautas musicais, gravações e nas memórias dos músicos acreanos.

Mostrou-se preciso, portanto, logo de início, pesquisar na maior e melhor fonte sobre a história da musica acreana: o arquivo da banda de Musica da Policia Militar, atualmente sob a guarda do Museu da Borracha. Esse arquivo contem boa parte da produção musical de integrantes dessa Banda que possui nada menos que oitenta e dois anos de atividade ininterrupta, como teremos oportunidade de ver mais detalhadamente adiante. Aliás, muitas composições ali guardadas foram feitas por músicos que nem sequer pertenceram a Banda, mas que tiveram suas melodias incorporadas ao seu repertório.

O arquivo da Banda mostrou-se como um manancial não só abundante, mas diversificado, onde inúmeros etilos musicais estão representados: valsas, marchas, boleros, foxes, dobrados, etc. ; cobrindo oito décadas de musicas e músicos.

Não era fácil, diante de tal densidade documental selecionar o que pudesse ser mais ou menos representativo. Tudo dependia do ponto de vista adotado para realizar tal análise. Diante de tantas variáveis, duas foram selecionadas como norteadoras do trabalho: em primeiro lugar, nos concentraríamos no período compreendido entre 1940 e o presente, já que possuíamos dados mais confiáveis em relação a esse período; em segundo lugar procuraríamos compositores que fornecessem a mais ampla amostragem que nos fosse possível, representando segmentos sociais diferenciados e movimentos culturais abrangentes de toda, ou a maior parte da, sociedade acreana.

Por outro lado, uma vasta produção musical se deu à margem da Banda de Musica oficial, em que pese sua predominância, pelo menos em Rio Branco.

 

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2 comentários:

Walquíria Raizer disse...

:)

eeee!

(só tenho amigo lindo)

Anônimo disse...

Silvio, um grande abraço.
O teu Blog tá bom, só falta revisar algumas coisinhas. Mas, você é irrevisável mesmo, né?
Danilo de S'Acre