quinta-feira, 12 de abril de 2012

O silêncio que fala.


Calado sentei na cadeira de macarrão em frente a televisão. Nem olhei para os lados, mas vi minha mãe concentrada em suas orações. Pela fresta da cortina que serve de porta vejo meu pai balbuciando números. Números que ele, provavelmente, vai jogar na megasena, na lotofácil ou mesmo no bicho. A TV serve de trilha para meus pensamentos. A oração que vela os filhos e os netos. Os números que sonham além da aposentadoria miserável. Calado estou, calado eu fico. Eles nada me perguntam, mas sinto no ar a satisfação de minha presença. E eu, também, sinto a culpa dos desenganos e do tempo não dedicados aos sentimentos. Os anos de trabalho de minha mãe são recompensados por algum prêmio e mais trabalho em cozinhas solidárias. Os de meu pai pela surdez dos rádios  concertados nos interiores. E o que passa na minha cabeça é parecido com revolta, mas como calado estou agora e em muitos momentos olhei desobediente aquela batalha, só posso me contentar em lembrar que eles completam agora 54 anos de casados. Anos em que a convivência se fez tolerância e o amor dividiu-se em filhos, netos, bisnetos, parentes e aderentes. Nunca faltou um prato servido morno, um trocado contado às escondidas ou um bolo nos aniversários. Uma criança chama à porta. A pastorinha quer saber a hora do ensaio. Meu pai levanta e vem atender. Pergunta pra minha mãe e ela responde sonolenta engolindo aquela oração que me falta. Levanto e vou para o quarto que roubo de minha sobrinha e de onde minha avó se mudou a algum tempo para sempre. Não tenho coragem de comentar, naquele dia, minhas tristezas. Afinal, já se passaram mais de 50 anos. E eu aprendi tão pouco a suportar as mazelas da vida. Mas pelo menos hoje vou permanecer assim. Calado.


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