Calado sentei na cadeira de macarrão em frente a televisão.
Nem olhei para os lados, mas vi minha mãe concentrada em suas orações. Pela
fresta da cortina que serve de porta vejo meu pai balbuciando números. Números
que ele, provavelmente, vai jogar na megasena,
na lotofácil ou mesmo no bicho. A TV serve de trilha para meus
pensamentos. A oração que vela os filhos e os netos. Os números que sonham além
da aposentadoria miserável. Calado estou, calado eu fico. Eles nada me
perguntam, mas sinto no ar a satisfação de minha presença. E eu, também, sinto
a culpa dos desenganos e do tempo não dedicados aos sentimentos. Os anos de
trabalho de minha mãe são recompensados por algum prêmio e mais trabalho em
cozinhas solidárias. Os de meu pai pela surdez dos rádios concertados nos
interiores. E o que passa na minha cabeça é parecido com revolta, mas como
calado estou agora e em muitos momentos olhei desobediente aquela batalha, só
posso me contentar em lembrar que eles completam agora 54 anos de casados. Anos
em que a convivência se fez tolerância e o amor dividiu-se em filhos, netos,
bisnetos, parentes e aderentes. Nunca faltou um prato servido morno, um trocado
contado às escondidas ou um bolo nos aniversários. Uma criança chama à porta. A
pastorinha quer saber a hora do ensaio. Meu pai levanta e vem atender. Pergunta
pra minha mãe e ela responde sonolenta engolindo aquela oração que me falta.
Levanto e vou para o quarto que roubo de minha sobrinha e de onde minha avó se
mudou a algum tempo para sempre. Não tenho coragem de comentar, naquele dia,
minhas tristezas. Afinal, já se passaram mais de 50 anos. E eu aprendi tão
pouco a suportar as mazelas da vida. Mas pelo menos hoje vou permanecer assim.
Calado.
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