Esta eu tinha prometido contar só depois que os personagens
tivessem morrido, mas como sou um deles e também corro este risco, resolvi logo
abrir o bico e ver no que vai dar, pois ha tempos a língua coça e os dedos
fervilham por um teclado, mesmo que isto possa parecer algum tipo de apologia.
Não é. É uma história de pequenos crimes que penso, algum dia ,
quando todos realmente estiverem mortos, menos eu, contar nas memória de um
tempo passado em Rio Branco junto com alguns amigos, não tão do bem, pra falar
a verdade, do mal mesmo. E eu entre eles. Os nomes serão mudados por questões
óbvias.
Eu e Benaías, aquele que matou o filho de Davi, havíamos
feito um pacto. Nenhum bar nesta cidade ficará impune ao nosso calote. E assim
durante um bom tempo passamos a escolher aleatoriamente os bares que iriamos
entrar, beber a vontade e, claro, sai sem pagar. Para isso era necessário
algumas estratégias boladas sempre de improviso momentos antes de adentrar aos
recintos ou mesmo durante as degustações de cachaças, cervejas e tira-gostos.
Muitas vezes, além do fiado na bebida, ainda tínhamos a cara-de-pau de pedir
mais uns trocados ao dono do estabelecimento para comprar um remédio para um
parente doente, ou mesmo para ir de taxi
em casa pegar o cartão de crédito esquecido no bolso da outra calça. E íamos nós em direção ao morro do Marrosa fazer
a nossa feira de produtos químicos ilegais para mais uma noitada de pitilhos e
pithulas.
E assim durante muitos meses, e até anos, nos fomos
enganando primeiro os bares mais próximos e onde todos se reuniam, depois os de
outros bairros, os da periferia e por fim os do mercado público, conhecido
reduto de pés-inchados. E foi exatamente em um deste que se passou o fato que
vou narrar.
Bem cedo da madrugada, lá pelas quatro e meia, depois de
uma noitada daquela e precisando de algo para descolar as placas, fomos rumo ao
mercado. Nem procuramos muito, o primeiro botequim que tinha nós fomos logo
encostando e pedindo duas doses grande de pinga. O senhor que atendia e parecia
ser o dono da birosca nem pensou duas vezes e quase encheu os copos. Tive pena
de ver na prateleira umas poucas garrafa de cachaça cheias e um monte de
garrafas vazias. Logo pensei. Deve ser o prejuízo por calotes como o que vamos
dar, mas...
Tomamos a primeira dose e já fomos logo pedindo outra.
Benaías resolver puxar assunto sobre os pedaços de filmes que vimos na noite
anterior. Um tira da pesada. No meio do papo o senhor, dono do bar, querendo
entrar na conversa perguntou.
Os senhores são da polícia?
...Pra quê?...
Mas meu senhor como é que o senhor da um mole desses pra
dois vagabundos? Pensei eu olhando para meu parceiro com um sorriso que ela já
correspondia. Como é que o senhor percebeu? Mas por favor senhor, fique calado
que nós estamos aqui a esta hora da manhã em uma missão. Dai passamos a contar
causos inventados de quando prendemos aquele traficante, aquele outro
assaltante.... e dá-lhe cachaça. O dono do bar, já se sentindo íntimo da
policia, nem perguntava se a gente queria outra dose. E tome cachaça...
até que... em determinado momento nos
demos conta que o dia vinha amanhecendo e que o mercado começava a ter uma
grande movimentação. Era a hora do golpe.
Meu senhor....o senhor conhece um cara que anda por aqui
sempre com uma Porchete preta do lado e uma pulseira de couro no braço direito?
Ah sim...ele é policial também, né?
Sim mas estamos em missão e vamos prender um cara daqui a
pouco aqui no mercado. Assim que o Abílio
passar nós vamos com ele fazer a operação.
Abílio era um antigo policial que costumava tomar café no
mercado em torno das 6 horas, podia atrasar um pouquinho mas não falhava.
Ei moço...olha o seu Abílio vai lá do outro lado da rua.
Valeu senhor....por favor o senhor anote isso rapidinho que
nós vamos fazer esta prisão e logo nós voltamos para pagar estas cachaças.
Quanto foi mesmo que deu?
O senhor olhou com um ar de que, putaquiupariu, mas ele ia lá
se meter com a policia...
Resultado....mais um bar na nossa extensa lista.
A coisa ficou feia quando não tínhamos mais por onde andar
na cidade. Em todo bairro, toda rua, todo lugarzinho, tinha um cara muito puto
e pronto pra cobrar as dividas sem muita serenidade. Pra ir na esquina tínhamos
que fazer o maior arrodeio. O nosso mundo foi ficando pequeno. Muito pequeno.
Silvio Margarido in “
Pitilhos e pithulas “.
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