Pela hora da morte
Contos de experiências de quase morte
segunda-feira, 23 de dezembro de 2013
segunda-feira, 11 de março de 2013
Chôro
Que passo dado trôpego
me conduz a dúvida
que abraço torto
conduz à dor
quem sopra a brasa
e queima
frágil querer
atira a pedra e pulsa
no peito o medo
e o amor
o tempo teimoso para
e o sono esquece de ser
sozinha a lágrima escala
inverso caminho
do chão
Silvio Margarido - Dezembro de 2012.
sábado, 9 de março de 2013
A Dama e o Vagabundo
A dama e o vagabundo - Silvio Margarido
in " PITILHOS E PITHULAS".
Conheci Mércia em um
fim de noite da pesada, em um dos pontos que as meninas fazem
programa na cidade. E - impressionante - foi ela quem me escolheu.
Dentre tantas meninas que estavam ali para conseguir algum cliente,
foi exatamente aquela morena com um sorriso curto e olhar triste, que
se apresentou dizendo: “Eu quero ir com você!”. Ela deveria ter
uns vinte e quatro ou vinte e cinco anos (Bem vividos, diga-se de
passagem). Seu programa era até barato, se tivesse drogas, ela fazia
tudo por cinquenta reais. Tudo mesmo! E foi exatamente nas drogas que
minha afinidade com Mércia ficou mais evidente.
Na primeira vez que nos
encontramos, não teve muita conversa, depois de fumar alguns
cigarros, preparados de tabaco com pasta-base de cocaína, mais
algumas cervejas nós fomos para aquela “trepada” que mais
parecia uma obrigação do nosso contrato. Mas foi bom. Ela atendia
prontamente a cada uma das minhas mais esdrúxulas solicitações e,
o melhor, ainda acrescentava coisas de sua extensa experiência. Nada
criativa, mas eficaz. Ela só não atendia ao meu desejo de beijá-la
na boca.
De outra vez que a
encontrei parecíamos velhos conhecidos. Ela foi logo entrando no
táxi, antes que eu tivesse tempo de chamar outra garota qualquer.
Como sempre, ia logo me perguntando: “E ai? Tem?”. Este
“ingrediente” nunca poderia faltar nos nossos encontros. “Claro
que tem!”, eu disse de pronto. Assim fui estabelecendo uma relação
“estável” com aquela garota. Sempre que recorria a esses
serviços era ela a quem eu procurava. Conversávamos muito. Na
verdade, ela me fazia muitas perguntas. Ficava admirada com a
quantidade de cartazes de cinema colados nas paredes do meu
apartamento, com os livros socados na estante e espalhados pelos
chão, pelas músicas que eu ouvia. Ela dizia que eu era um maluco
diferente. Eu nunca entendi o que ela via de diferente em mim. Mas eu
achava Mércia diferente. Bonita, apesar de maltratada, e
inteligente. Me disse que era casada com um traficante que estava preso. “Se ele descobre, ele mata a gente!”, tentava me assustar.
Mas eu não tinha medo. O meu envolvimento com aquele mundo era tão
profundo que qualquer coisa fazia parte do pacote. Eu passei a
observar aquela mulher um pouco mais e fui desenvolvendo, confesso,
uma afetividade diferente da que, normalmente, um homem tem por esse
tipo de garota. Eu estava gostando dela. Quer dizer: Eu me apaixonei
pela puta. O mais interessante é que eu não pegava mais a Mércia
para simplesmente “trepar”, eu a pegava pra usar drogas e
conversar. Às vezes ela até trazia uma amiga com quem eu acabava
indo pra cama, enquanto ela ficava detonando as minhas trouxinhas de
“melado” e de cocaína. Foi um bom tempo de uma grande e estranha
amizade. Algumas noites ela aparecia na minha casa sem mesmo ser
solicitada. Tinha dias que já trazia as drogas. Sempre um pouco mais
tarde da madrugada, depois que os programas davam dinheiro suficiente
pra ela ir encher a cara de entorpecentes na minha casa.
O mais triste disso
tudo, coisa que eu só percebi muito tempo depois é que ela me
falava dos sonhos que tinha. “Queria sair daquela vida e casar com
uma “pessoa boa”, como ela mesma dizia. Dizia que ainda queria
estudar. Mas, todas elas dizem isso. Eu gostava daquela garota. Muito
mais pela companhia do que mesmo pelo sexo, que já era feito de uma
forma bem mecânica e somente para finalizar as noitadas de
“pitilhos”. Eu a olhava desfilando pelo pequeno apartamento
fazendo poses, caras e bocas como que realizando um dos seus desejos
de adolescência. Mércia me disse certa vez que queria ser modelo
quando era mais jovem. E ela teria sido uma bela manequim, mas será
que teria se livrado das drogas e da prostituição? Talvez fosse em
outro nível.
Certa madrugada fui
acordado com os gritos de Mércia no portão. Ela me chamava aos
berros, desesperada. Levantei e corri até lá. Ela estava machucada.
Olho roxo, nariz sangrando, chorava implorando pra entrar. Contou que
foi espancada por um cara que, além de tudo, não pagou pelo
programa. Entramos e ela foi tomar um banho. Eu estava numa rebordosa
daquelas e não queria, de jeito nenhum, que ela aparecesse. Saiu do
banheiro perguntando se eu tinha alguma “coisa”. Não tinha. Me
pareceu que seu mundo caiu naquela hora. Me pediu dinheiro. Não
tinha. Ela ficou muito irritada. Me xingou. Xingou aos gritos o cara
que lhe bateu. Pedi que parasse pois ia acordar os vizinhos, que já
não gostavam nada da movimentação de “malucos e piranhas” na
minha casa. Ela ficou mais irritada ainda. Tive que mandá-la embora.
Ela me disse que não podia sair por que o sujeito ainda poderia
estar procurando por ela. Então revelou que se tratava do tal marido
que havia saído da cadeia e descoberto que ela fazia programa.
“Putaquiupariu!”, pensei, “e se esse filho da puta resolve vir
aqui?”. Expulsei Mércia de casa. Ela saiu chorando, berrando, mas
foi.
Depois desse dia ela
desapareceu. Nunca mais foi na minha casa. Quando ainda fui
procurá-la aonde fazia ponto, as meninas disseram que ela nunca mais
tinha aparecido por ali. Cheguei a pensar que o marido a tinha
matado, mas nenhuma noticia nos jornais.
Bem, depois de um tempo,
eu é que tive que sair fora daquela vida. Fui para uma clínica de
recuperação e não voltei mais a frequentar aqueles lugares. Certo
dia, alguns anos depois, passando de táxi pelo Papôco, eu vi Mércia
na calçada. Magra, “detonada”, suja, bêbada. Quase pedi para o
taxista parar. Queria falar alguma coisa pra ela. Saber dela. Mas
tive vergonha e deixei o carro seguir. Olhei para trás e ainda vi
aquela garota que afastou a solidão de algumas das minhas noites de
“pithulas e pitilhos”, ali sozinha, talvez a procura de um
programa, destruída pelas drogas e eu não tive coragem de fazer
nada. Talvez ela estivesse doente, precisando de alguma ajuda, mas a
vergonha, que eu nunca tive de nada que fazia, naquele momento foi a
barreira para qualquer gesto de solidariedade. Eu fui embora.
Eu
tinha resolvido esquecer essa história, porém, ontem, ouvindo um
programa de rádio, escutei o locutor oferecer uma canção para uma
Mércia e sua filhinha de dois anos. Lembrei-me daquela menina e aí
me deu um aperto no peito e uma esperança, de que aquela fosse a
“minha” Mércia. Que uma “pessoa boa” tivesse, enfim,
aparecido e salvado aquela garota que, na ultima vez que vi,
pareceu-me no fim.
Nunca mais ouvi nada.
quarta-feira, 6 de março de 2013
Eros e o fim.
Olhei pela ultima vez
aquelas fotografias que, passei dias olhando, editando, retocando e
mandei tudo para a lixeira. Terminava ali, naquele ato corriqueiro
nos dias de hoje, uma relação unilateral de amor. Simples assim.
Jogar no lixo o que já fora explorado, consumido, exaurindo a
esperança. E junto com as fotografias, umas tantas, foi também
aquele sentimento que, até, para mim, jurei ser eterno. Sem medo de
julgamentos eu me sinto pronto para dar um fim e tentar olhar e amar
de verdade. O Amor é uma palavra vazia. Pronto! Foi o que eu falei
mesmo? Ah... que nada. Eu fui para o lixo também. Tudo virtual.
Amizade virtual, amor virtual, virais e uma decepção real.
Compartilhado em uma rede simulada de inteligência artificial. A
Matrix me dizia. Será um grande amor ou um grande problema. Morreu,
morri. Deu em nada, como tudo o que passa pelo crivo da
superficialidade digital. Um mundo que não é mais desse tempo,
desse espaço, dessa vida. Tudo, finalmente, será esquecido na minha
linha do tempo. A pena por parar de viver a intensidade do sol ao
meio dia na 6 de agosto e o vento soprando a bandeira na beira do rio.
Recolho-me a insignificante possibilidade do que poderia ter sido.
Mas já foi. Vou limpar o cartão de minha câmera e sair em busca de
outros motivos, modelos e possibilidades de olhar. É um bom
exercício de apurar o olhar e o sentimento estes mergulhos no
desconhecido dos olhares e dos corações. E eu ainda tenho muitas mortes para
viver.
segunda-feira, 28 de janeiro de 2013
Alô...
Acordei de madrugada com as sirenes
algo muito ruim estava acontecendo
Liguei no celular da minha filha
chamou
chamou
chamou
chamou
e ela não atendeu
tornei a ligar
nada
desesperei
ai o meu telefone tocou
atendi e já sabia o que ia ouvir...
mamãe...desculpe não te atender...
eu estou aqui na frente....
algo muito ruim estava acontecendo
Liguei no celular da minha filha
chamou
chamou
chamou
chamou
e ela não atendeu
tornei a ligar
nada
desesperei
ai o meu telefone tocou
atendi e já sabia o que ia ouvir...
mamãe...desculpe não te atender...
eu estou aqui na frente....
sexta-feira, 25 de janeiro de 2013
domingo, 23 de dezembro de 2012
Só eu consigo, mas não sozinho...
"Começar de novo - Ivan Lins
Começar
de novo e contar comigo
Vai
valer a pena ter amanhecido
Ter
me rebelado, ter me debatido
Ter
me machucado, ter sobrevivido
Ter
virado a mesa, ter me conhecido
Ter
virado o barco, ter me socorrido
Começar
de novo e só contar comigo
Vai
valer a pena ter amanhecido
Sem
as tuas garras sempre tão seguras
Sem
o teu fantasma, sem tua moldura
Sem
tuas escoras, sem o teu domínio
Sem
tuas esporas, sem o teu fascínio
Começar
de novo e só contar comigo
Vai
valer a pena já ter te esquecido
Começar
de novo..."
Silvio Margarido-23/12/2012
A viagem de carro da rodoviária até a chácara foi feita em silêncio. O medo e a dor
tomavam de conta de cada neurônio doente e cada extensão nervosa
descarregava em suor as mágoas de uma existência desmedida que
tinha, até aquela hora, decidido levar. Entrei por aquele portão de
madeira calado e fui recebido pela costumeira revista aos novos
residentes. Minha cabeça, além de carregar excessos químicos,
estava vazia de qualquer pensamento de esperança. Começou naquele
fim de tarde do dia 24 de dezembro de 2009 a minha jornada contra, e
junto, a uma pessoa que, como ainda hoje, conhecia tão pouco.
Não lembro se tive
vontade de chorar, como acontece com muitos, acho que não. Somente
aquele nó que transitava entre a boca do estômago e a garganta,
dificultando qualquer resposta diminuídas a monosilábicos de sim e
não. Os votos de bem vindo e de feliz natal me soavam como ofensas
proferidas por desconhecidos e uma irritação crescia a cada minuto
passado rumo a ceia. Calado, sentado no canto eu contorcia meu
espírito para caber dentro do inadequado. Um telefonema foi
permitido a minha mãe e, do engasgo ao soluço, as lágrimas, as
primeira em meses, me fizeram sentir, mais uma vez, um incontrolável
desejo de não existir. Por que a vida tinha me escolhida para ser
aquele ser intolerante, obsessivo, compulsivo? Agora era tarde,
pensei antes de desligar o telefone. A ceia farta, as orações e os
fogos me fizeram esquecer por algumas horas o meu principal motivo de
estar naquele lugar. Eu estava iniciando um tratamento contra
dependência química.
A primeira semana foi de
perigosos combates contra legiões de demônios saídos ardilosamente
do meu inconsciente. Quase sucumbi. Turtrilhões de dúvidas,
avalanches de incertezas, baldes de mágoas, sacolas de
ressentimentos, os amores incompletos, os desejos irrealizáveis,
tudo me pesava como uma carga mal arrumada sobre um corpo fragilizado
pelo excesso de drogas. As de minha preferências o álcool, a
cocaína e seus derivados. Mas, como tinha certeza de uma última
chance eu me agarrei naquele salva vidas o qual chamamos de
recuperação.
Seis meses de uma
profunda viagem aos meus porões para uma faxina que, ainda hoje,
teimo em continuar na esperança de ser a pessoa que preciso, quero e
posso oferecer `a aqueles que ainda me tem algum apresso.
Laborterapia para expulsar os resíduos químicos das drogas, terapia
para avaliar os impactos e espiritualidade para não esquecer que não
estava sozinho. Pela primeira vez em alguns anos eu me vi totalmente
envolvido em uma pesquisa tão poderosa de minha alma, mente e o
corpo. Alguns meses, doze passos, cento e oitenta terços, “GSs” (GS- grupo de sentimento – reunião para desabafos
individuais) e centenas da oração da serenidade. Fui sobrevivendo
até me dar conta de que já haviam passado quatro meses e eu tive a
minha primeira saída terapêutica, e depois outra e por fim, no dia
de São João, 24 de junho de 2010 eu rumei a aquela porteira que por
vezes me pareceu prisão. Três palavras ecoavam na minha cabeça. Só
por hoje.
Fiz, ontem, uma visita a
comunidade terapêutica. Era uma outra festa de natal, outros
internos, pois esta doença não dorme. Foi emocionante, tocante cada
olhar a cada canto que eu conhecia do local. Me deu vontade de
agradecer, mas não sei bem a quem. A Deus? Com certeza. A mim?
Talvez. Aos meus pais? Sempre. Aos amigos? Também. Mas eu me dei
conta que eu também devo agradecer ao sofrimento que me fez ver que
a minha vida, mesmo ainda tão incompleta de virtudes, tem um sentido
compreendido a cada momento, a cada hora, a cada dia em que o meu
olhar busca sempre uma compaixão comedida, um sentimento tranquilo,
uma alegria que se completa em outros. Valeu a pena ter
amanhecido...É que ainda tenho muitas dúvidas e incompreensões,
mas já sei dar alguns passos vivendo cada momento. Este é o meu
novo momento de Natal. O Natal pra mim faz sentido.
Deus...conceda-me
serenidade
para aceitar as coisas
que eu não posso modificar
coragem para modificar
as que eu posso
e sabedoria para
reconhecer a diferença.
sábado, 17 de novembro de 2012
segunda-feira, 12 de novembro de 2012
terça-feira, 23 de outubro de 2012
quinta-feira, 4 de outubro de 2012
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